A editora Nemo está com uma leva de quadrinhos geniais.
Pílulas Azuis (Pilules bleues), de Frederik Peeters (roteiro e arte) e tradução de Fernando Scheibe, em 208 páginas onde Peeters conta sua história ao lado da companheira, Cati, desde os primeiros encontros nas rodas de amigos até a revelação de ela e seu filho (um menino de quatro anos, de um relacionamento anterior) serem soropositivos.
Entram em cena todas as emoções contraditórias que o autor tem de aprender a gerenciar, como amor, piedade, raiva e compaixão, sem deixar de lançar algumas verdades duras e surpreendentes sobre o assunto do HIV, seus preconceitos e o tratamento.
Contar a própria história talvez seja um exercício mais árduo do que transpor um universo imaginário ou ficcional, afinal, uma obra autobiográfica está sujeita a críticas que se dirigem diretamente ao autor.
Os anos 80, época que é retratada na obra, mostra a AIDS como uma doença altamente contagiosa, sem cura, que mata em curto espaço de tempo. Com o medo e o crescente número de vítimas na época, vinha também o preconceito e a falta de aprofundamento sobre a enfermidade, cujo vírus ataca as células do sistema imunológico, destruindo os glóbulos brancos do infectado.
Mesmo com todo o avanço no tratamento que temos hoje, o acesso a medicamentos (que no Brasil, graças a decisões acertadas quanto a quebra de patentes) e o nível de consciência que o assunto é tratado hoje, falar da vida de soropositivos de forma sincera e prática, é um desafio. Essa sinceridade que precisava ser analisada, dissecada e colocada num papel vai além dos modismos das biografias em forma de HQ. Peeters não quer passar a impressão de bom-mocismo ou de ser uma pessoa “correta”, livre das amarras do preconceito. Pílulas azuis é bem mais complexo nos seus quadrinhos.
Perdi a conta de quantas vezes me perguntei: “Mas como isso…” durante a leitura. Nos faz pensar o quanto preparados estamos para lidar com uma situação deste tipo. E a resposta que me vem é: nunca estamos. Viver a vida nos preparará.
O traço pouco importa. Aqui ele é um mero recurso narrativo. Feito um livro, a história é que prende o leitor.
Em 2001, ano do seu lançamento original, a obra ganhou o prêmio Rodolphe Töpffer, em Genebra, Suíça. No ano seguinte, recebeu o Polish Jury Prize (prêmio do júri polonês) no Festival de Angoulême, na França.
E que tenhamos mais histórias pessoais contadas assim…