Traço de Giz – Miguelanxo Prado

Sinopse Oficial: O quadrinho mais premiado da história da Espanha! Lançada originalmente em 1992, Traço de Giz é uma das realizações mais representativas de Miguelanxo Prado e um clássico das HQs europeias. Foi agraciada com o prêmio de Melhor Álbum Estrangeiro no Festival de Angoulême, Melhor Álbum no Salão de Quadrinhos de Barcelona e indicado aos prêmios Eisner, na categoria Melhor Pintor/Artista Multimídia, e Harvey, na categoria Melhor Quadrinho Estrangeiro.

Raul navegava em alto-mar quando foi atingido por uma tempestade, o que deixou seu barco à deriva e o levou para uma ilhota que não consta em nenhum mapa. Um cenário pacato com apenas dois habitantes, uma estalagem, um velho farol desativado e um muro com estranhas mensagens. Mas a embarcação de Raul não é a única atracada no cais, e logo ele conhece a bela e misteriosa Ana, por quem se sente imediatamente atraído.

No entanto, conforme os dias avançam, Raul se vê incomodado em suas tentativas de compreender alguns absurdos locais: qual o propósito de uma estalagem sem clientes no meio do nada? Por que há tantas gaivotas mortas? Quem é Ana? E por que dizem que a chegada de uma terceira embarcação à ilha significa o prenúncio de uma tragédia?

Traço de Giz é uma HQ arrebatadora, com formato grande, 108 páginas magistralmente coloridas, impressas em papel couché fosco de alta gramatura, e capa dura com verniz localizado. Inclui uma galeria de extras, com estudos de personagens e leiautes de páginas, uma bela homenagem a Hugo Pratt, prefácio do jornalista Sidney Gusman e posfácio do próprio autor.

Prado conduz o leitor por um roteiro lento, como se embalado pela calmaria do mar após a chegada de Raul à ilhota perdida no meio do mar. Há diálogos que, numa primeira leitura, parecerão completamente sem propósito, mas que, no final, servirão de guia para os mistérios da trama.

Tudo nessa narrativa parece absurdamente impossível, irreal ou inútil sem nenhum tipo de explicação ou justificativa além do simples fato de existir. A narrativa é lenta e calma tenta mostrar o ambiente aos poucos, os diálogos são despretensiosos e muitas vezes interrompidos, são insatisfatórios. Somos invadidos pela solidão dos personagens e da paisagem e principalmente por seus desencontros internos. Ao ler a obra fica uma enorme incerteza sobre o que é real ou irreal, não há como distinguir entre o que seria sonho ou realidade conforme as coisas vão se desenrolando.

Na história não existe nenhuma construção do passado dos personagens. O leitor não sabe de onde vêm, para onde vão, quem são, o que fazem, e, ao contrário do que seria de se esperar, isso se mostra desnecessário, não afeta em nada a obra. O que importa é o que acontece naquela ilha, naquele momento, com aquelas pessoas. O que elas eram antes de chegar à ilha ou que irão virar quando saírem, não importa.

E o que faz esse quadrinho ser tão valoroso assim?

Você tem que chegar ao final da história… e a partir daqui, se você não leu Traço de Giz, pare agora e volte depois! SPOILERS ALERT!

A estranheza do final da história se assemelha ao espanto que acontece no filme O SEXTO SENTIDO, aquele com Bruce Willis onde o garotinho via pessoas mortas. Não é bem esse o contexto, mas a comparação é válida em termos de plot twist. Não existe o sobrenatural em TRAÇO DE GIZ. Não é uma história de fantasmas. A comparação mais próxima, seria com a série de televisão LOST. Aí sim, no quadrinho existe uma semelhança imensa com o seriado.

TRAÇO DE GIZ não tem uma história que vai fundir sua cabeça. Pelo contrário. É um quadrinho que navega pelo caótico e cruel comportamento humano, sobre relações, sobre machismo, sobre vingança, e termina de uma forma que brinca com o tempo. Parece passar a mensagem de que nos perdemos quando tomamos decisões covardes e egoístas. E essa percepção de que não vivemos de forma linear, é o que faz o leitor voltar as páginas e procurar pelas respostas. A genialidade de TRAÇO DE GIZ está nessa obrigatoriedade. Uma obra que exige raciocínio e indagações de quem lê, é uma obra que atingiu seu objetivo.

No início da história, quando Raul aporta no cais, a parede do lugar está cheia de mensagens deixadas por viajantes. Uma delas é de um tal de Raul que promete retornar à ilha no mês de julho para reencontrar uma tal de Ana. Raul não repara nessa mensagem, e provavelmente nem o leitor.

Quando Raul entra na pousada pela primeira vez, Sara pergunta se ele já não esteve na ilha, porque o rosto dele parece familiar. Ele diz que não, que nem sabia da existência do lugar. Ana, antes de conhecer Raul pessoalmente, pergunta a Sara se ele já esteve na ilha, ao que Sara responde que é a primeira vez. Mais para a frente, quando Ana escreve em seu diário, ela diz que achou uma coincidência Raul ter o mesmo nome da pessoa que ela aguarda. Pessoa esta que ela não conhece, que apenas leu uma recado, e ficou curiosa para saber quem é.

Ao final da história, depois de Sara ser estuprada pelos dois homens que chegaram no terceiro barco, e deles serem mortos pelo filho de Sara, ela busca consolo nos braços de Raul. Ana flagra os dois durante o ato sexual e se recusa a voltar a conversar com Raul. Então, Raul vai embora da ilha. Ana também vai, duas semanas depois, mas deixa um envelope para Raul, caso ele volte. E ele volta, dois dias depois de ter partido. Sim, existe uma discrepância de tempo. Quando Raul desembarca na ilha, a vegetação está diferente. Passam por ele, dois casais vindos do farol. Um dos homens é o mesmo que teria sido morto. Raul entra na pousada e não é reconhecido por Sara e nem pelo filho dela. Com raiva e sem entender o que está acontecendo, ele vai ao cais e escreve um recado para Ana, dizendo que irá retornar à ilha dentro de um ano, no mês de julho, que é para ela aguardar por ele.

Agradecimentos ao amigo André Ribeiro, que embarcou comigo nessa viagem e desenhou esse belo infográfico!

Isso mesmo, Raul voltou ao passado. Foi ele quem deixou o recado na parede do cais que a gente lê no início da história. O mesmo recado que Ana lê. Só que como ela não conhecia Raul e como Raul disse que era a primeira vez que estava na ilha, ela tem a certeza de que é outro Raul, mas não é.

O homem que Raul encontra quando retorna à ilha, e que deveria estar morto, ainda não morreu. E por isso Sara não reconhece Raul. E também por isso, no início, ela acha que o conhece. Existe uma distorção de tempo, que causa o desencontro de Raul com Ana e os mantém separados. 

E sim, deve ser uma das melhores leituras do ano!

Link para compra: https://www.amazon.com.br/Tra%C3%A7o-Giz-Miguelanxo-Prado/dp/6586672295

Editora : Pipoca e Nanquim (16 janeiro 2021)

Idioma : Português

Capa dura : 108 páginas

Fabio Camatari Escrito por:

Dinheiro não traz felicidade... mas compra quadrinhos, que é quase a mesma coisa!