Hoje vamos falar primeiro golpe imobiliário da história! Vamos contar como foi a saga de Erik, o Vermelho, e como ele levou centenas de pessoas com ele para uma terra inabitável, movido por seu orgulho!
Em geral, presume-se que a colonização europeia do mundo, sobretudo na América do Norte, foi uma sucessão ininterrupta de desbravamento de novos territórios, destruição das populações nativas e integração com os gentios, isto é, todos os povos que não eram judeus.
Nem sempre. A maior ilha do mundo, Groenlândia, revelou-se grande demais para os primeiros colonizadores, que cometeram um erro de proporções colossais quando puseram os pés em suas terras geladas. Embora a Groenlândia não tivesse árvores, os colonizadores, arrogantes, decidiram criar um assentamento regular. Acabaram fracassando e, literalmente, desapareceram.
Os vikings começaram suas viagens de exploração no século VIII, partido da terra natal, Noruega. Eram guerreiros duros e cruéis, mas também comerciantes habilidosos, e, provavelmente, alcançaram terras tão distantes quanto o mundo árabe. Estabeleceram postos comerciais desde Dublin até Kiev, e, sem dúvida, chegaram ao continente norte-americano, inquestionavelmente à Terra Nova, mas é possível que tenham ido muito além, alcançando, talvez, o território que é hoje o dos Estados Unidos. Também introduziram vários conceitos de importância considerável para o desenvolvimento da civilização ocidental como julgamento por tribunal do júri e a elaboração de leis por câmara legislativa.
A Assembleia Nacional Islandesa, Alpíngi, constituída em 930 , é o mais antigo parlamento dessa espécie da Europa. Os exploradores vikings tomaram a Terra de Gelo (Islândia) em 870 e a governaram com firmeza nos sessenta anos seguintes, quando a declararam independente da Noruega. Muitos dissidentes e delinquentes vikings fugiram para o novo território, inclusive Erik, o Vermelho (por que era ruivo).
A reputação de Erik ao longo da história foi de explorador intrépido e famoso; na verdade, porém, era pouco mais que um fugitivo em busca de esconderijo. Ele havia sido forçado a deixar a Noruega em 980, com o pai, depois de cometer homicídio, mas ficou apenas dois anos na Islândia, antes de ser intimado a depor na Alpíngi, ao ser acusado de outro assassinato. De lá foi banido durante três anos, mas não tinha para onde ir uma vez que era procurado também na Noruega; por isso, viajou ainda mais para o oeste.
Até que chegou a terras cobertas principalmente por gelo, com alguma vegetação verde e superficial. Lá passou três anos explorando a ilha e decidiu convertê-la em seu domínio, não obstante a inospitalidade do clima, mesmo para nórdicos, e o fato de nenhuma árvore crescer naquelas paragens. Mesmo assim, Erik estabeleceu uma colônia no litoral sul e, no que pode muito bem ter sido o primeiro golpe imobiliário da história, deu-lhe o nome poético de “Terra Verde” (Greenland, em inglês), para atrair colonos. De volta à Islândia, conseguiu aprestar 25 navios cheios de colonos dispostos a se estabelecerem no novo assentamento. Os únicos habitantes humanos da Groenlândia eram inuítes, basicamente caçadores nômades, porquanto a fixação na terra realmente não era escolha factível. As populações locais eram menos que amistosas, mas, em geral, mantinham-se a distância. Erik era destemido, e estabeleceu um povoado a leste, usando troncos à deriva para construir as casas. Quatorze dos 25 navios sobreviveram à perigosa jornada, e outra frota constituiu um povoado a oeste, a cerca de 248 quilômetros do primeiro.
Aparentemente, a ideia era viver de comércio. Encontraram-se vestígios de pelo menos 400 fazendas, mas a terra era demasiada pobre para a agricultura de subsistência. Erik despachou o filho, Leif, para estabelecer rotas comerciais. Leif retornou, porém, com conquistas muito diferentes: uma esposa, da Noruega, e um sacerdote. Erik, fiel devoto de Thor, avançou ainda mais rumo ao oeste e foi, sem dúvida, o primeiro europeu a pôr os pés na América do Norte, descobrindo o que denominou Vinland _ terra de videiras, salmão e gado, onde os dias e as noites tinham mais ou menos a mesma duração, bem ao sul do seu assentamento na Terra Verde.
Erik morreu por volta de 1002, deixando seus seguidores àqueles confins ermos reduzidos a forragens de plantas esparsas e madeira à deriva, para alimentação, habitação e combustível. Não tinham condições de ir a Vinland porque já não contavam com madeira suficiente para construir navios; até as viagens para a Noruega se tornaram mais esparsas; e, por fim, o povoado a oeste foi varrido por um ataque inuíte. O Império Nórdico se tornara cristão, e as notícias sobre os postos avançados na Groenlândia chegaram ao papa, em Roma, que enviou um infeliz missionário para ser bispo naquele fim de mundo inóspito.
Aparentemente, o bispo foi providencial para convencer os habitantes locais ainda vivos de que realmente já não tinham condições de manter-se como Estado independente. Em 1261, a assembleia, ou o que quer que fosse, entrou para a história como um dos primeiros parlamentos do mundo a renunciar voluntariamente à própria soberania nórdicos da Terra Verde submeteram-se à Coroa Norueguesa, provavelmente na esperança de receberem ajuda.
Nada, porém, chegou, nem novo bispo foi enviado, e, aos poucos, perdeu-se contato com os assentamentos. Em 1409, um viajante encontrou o povoado a leste deserto. Há quem alegue que os indígenas Mandan, descobertos pelo explorador Pierre de la Verendyre no vale do alto Missouri, em 1738, eram de pele branca e de conduta europeia. Mesmo que isso seja verdade, o mais provável é que sejam descendentes de Leif, não dos habitantes da Terra Verde.
Ninguém sabe o que realmente aconteceu com os infelizes habitantes do povoado de Erik. Datações por carbono de antigas sepulturas revelaram mudanças as dramáticas nos hábitos daqueles indivíduos; quando os barcos deixaram de chegar com suprimentos, as populações locais passaram a se alimentar principalmente de peixe, como os inuítes. Também foram detectados sinais de desnutrição, sugerindo que os colonos passavam fome. Curiosamente essas descobertas só foram possíveis por causa da falta de madeira; sem ataúdes, os mortos eram enrolados em cobertores e preservados em permafrost, ou pergelissolo. Os cientistas até conseguiram identificar os ossos do único bispo que se instalou na Terra Verde, uma vez que sua dieta era mais rica em carne, antes de sua missão. Ao longo dos quatrocentos anos de ocupação, a dieta mudou da proporção 80/20 de carne e peixe para a proporção inversa. Sem a ingestão de carne de baleia e de morsa, que suplementar a dieta de peixe dos inuítes, aquele tipo de alimentação simplesmente não era suficiente.
O mais notável é que o posto avançado tenha durado tanto naquelas condições — nada menos que 5 mil colonos lá habitaram em seus melhores anos. Em 1721, despachou-se uma expedição comercial e catequizadora, em busca de europeus na Groenlândia. A Noruega, a essa altura, se associou à Dinamarca, e os dinamarqueses assumiram o controle da ilha, ou do que ainda havia nela. Hoje, a Groenlândia possui apenas cerca de 50 mil habitantes, tendo reconquistado o autogoverno somente em 1979, nada menos que 718 anos depois de renunciar à soberania.