E neste episódio vamos partir do começo de tudo, com o casal mais polêmico de todos os tempos: Adão e Eva!
Este belo e desnudo casal que veio a cometer o erro original e, assim, se tornaram responsáveis por todos os grandes erros subsequentes são o primeiro passo para nossa caminhada rumo às melhores piores decisões de todos os tempos.
Suas motivações foram as mesmas que geraram muitos dos equívocos históricos: inveja, gula, luxúria, ganância por conhecimento e por tudo o mais, além de uma enorme fé em que tudo daria certo, mesmo desobedecendo, neste caso, às ordens de Deus.
Nada mais natural que a história de Adão e Eva seja o mito seminal da criação.
A parábola essencial de Adão e Eva — Deus cria o Homem, Deus cria a Mulher a partir do Homem, o Homem conhece a Mulher, o Mal faz o Homem desejar a Mulher, o Homem e a Mulher perdem o Paraíso — se repete nas histórias ancestrais da criação em muitas religiões e culturas, de uma forma ou de outra.
Por mais estranho que pareça, os cientistas descobriram, com base em análises de DNA, que houve de fato dois indivíduos que podem ser considerados nossos ancestrais comuns. Todas as mulheres recebem o DNA mitocondrial da mãe, e é possível retroceder até a fêmea primordial comum, a primeira genitora, que viveu há cerca de 200 mil anos e que é, em essência, adicionando ou subtraindo umas poucas gerações, nossa décima milésima avó. A ciência a reconhece como “Eva Mitocondrial”. Pesquisas semelhantes, usando cromossomos Y, localizaram o “Adão Cromossômico Y” há apenas 90 mil anos!
Embora não sejam os primeiros seres humanos, como o Adão e a Eva das religiões abraâmicas, a “Eva Mitocondrial” e o “Adão Cromossômico Y” são considerados, como os personagens mitológicos equivalentes, nossos antepassados comuns.
Também se constata um forte traço de misoginia em todo o mito, que, na essência, culpa Eva pela Queda. Ela é tentada por Satã na forma de uma serpente, e induz Adão a provar o Fruto Proibido. Adão — o bom jardineiro, embora um pouco ingênuo, sempre ocupado, dando nomes à flora e à fauna — de repente percebe que está nu, pelado com a mão no bolso, que ela, Eva, está nua, e que os bons tempos acabaram (ou estão apenas começando, dependendo do ponto de vista)…
Satã se integra por completo na história; a Bíblia, o Talmude e o Corão passam a ter um vilão adequado; e, a partir de então, sempre há a quem culpar pelo que não dá certo.
A história é fundamentalmente a mesma nas religiões abraâmicas. Deus criou Adão, de terra ou de cerâmica (Adão, em árabe, significa “terroso” ou “vermelho”). Eva, por sua vez, é extraída do corpo de Adão — Eva deriva do hebreu chayab (“viver”). Diferentes interpretações simplesmente apresentam a serpente como nada mais que o teste de Deus de suas novas criações ou como Satã — um Anjo Decaído, descontente com o surgimento dessa nova criatura e a insistência de Deus em que o ser humano, feito à Sua própria imagem e semelhança, seja reverenciado. Algum tipo de fruto é sempre parte da história, embora a maçã não apareça no Livro do Gênesis.
A mitologia grega apresenta história semelhante, embora sob forma muito diferente. Tendo incumbido Prometeu da tarefa de criar a humanidade, que ele amolda em cerâmica, Zeus depois o puniu por roubar o fogo e oferecê-lo aos mortais. Prometeu foi acorrentado a um rochedo, numa montanha, onde uma águia comia-lhe o fígado durante o dia, apenas para que o órgão se regenerasse durante a noite e viesse a ser devorado de novo no dia seguinte. A punição da humanidade, contudo, assumiu a forma graciosa, embora mortal, de Pandora, a primeira mulher, criada por Hefesto, a mando de Zeus.
Assim como Eva, Pandora introduz o sofrimento na história humana, embora, dessa vez, na condição de portadora de uma caixa contendo todos os males do mundo. Novamente, como em Adão e Eva, Pandora foi incapaz de resistir à tentação, e abriu a caixa, liberando toda espécie de mal, à exceção da desesperança, que continuou ali guardadinha.
Mais uma vez, o mundo mortal muda para sempre, com a perda do Paraíso.
Muitos são os locais que se supõe tenham sido o Jardim do Éden. A Bíblia oferece apenas uma descrição e insinua que ele ficava na confluência de quatro rios — Tigre, Eufrates, Pisom e Giom —, embora, infelizmente, não mais existam os dois últimos. Em geral, considera-se que a área se situe no Golfo Pérsico, ou na Anatólia, Turquia. Há quem alegue que, depois da última Era Glacial, as águas subiram, e o Pisom e o Giom, assim como as terras férteis por eles criadas, desapareceram sob o Golfo Pérsico, dando origem ao mito do Paraíso Perdido.
E ainda, as palavras Éden e Adão significariam, em língua pré-sumeriana, “planície fértil” e “assentamento”, sugerindo nitidamente que foi a perda da terra, atribuída à ira de Deus, que levou à expulsão do Éden e, também, ao fim da vida fácil em terras férteis, que ofereciam grande fartura, e à transição para uma cultura nômade, caçadora e coletora, bem mais árdua.
E por que não Adão e Eva serem cidadãos norte-americanos?
Elvy E. Callaway, de Bristol, Flórida, argumentou que a humanidade foi gerada nas margens do Rio Apalachicola, na Flórida, Estados Unidos.
Callaway estudou o assunto durante 75 anos e, como prova, cita o Gênesis 2:10, no qual vou tentar ler aqui com uma fraca imitação de Cid Moreira:
“Um rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se, em seguida, em quatro braços.”
Segundo ele, o Apalachicola era o único sistema fluvial de quatro braços do mundo. Ele também interpretou a menção bíblica a “madeira resinosa” como Torreya taxifolia, conífera sempre-verde que cresce apenas na Flórida. No entanto, mesmo quem aceita literalmente o Jardim do Éden questiona o significado do termo bíblico (Gênesis 6:14) que designa a madeira com que Noé deveria construir a arca e a espécie exata a que se refere. E, para solapar ainda mais essas especulações grandiosas, ninguém que tenha visto a comédia do australiano Paul Hogan pode esquecer a maneira brilhante com que demonstrou que o Jardim do Éden de fato se situava em Dubbo, em Nova Gales do Sul, Austrália.
Enfim, onde quer que ficasse o Jardim do Éden, Adão e Eva decerto não voltaram para lá. Uma vez expulsos do Paraíso, agiram como a maioria dos casais em circunstâncias como essas, e constituíram família — gerando prole disfuncional, em que um dos filhos, Caim, mata o irmão, Abel. E ainda resta o mistério sobre de onde vieram as esposas dos filhos. As consequências do pecado original? Não perca no próximo programa do Ratinho…