Todos estamos acompanhando a recente onda de manifestações públicas pelas do Brasil. TV, Rádio e Internet noticiam em looping incansavelmente o crescimento dos protestos, pacíficos ou não, por todo o país.
Considero toda forma de protesto válida, desde que não fira os direitos adquiridos de cada cidadão e tenha causa no mínimo razoável. Tenho lembranças das Diretas Já, acompanhei em minha adolescência o movimento dos “cara-pintada”, vi o país se reestruturar, mudar de orientação política. Vi pelo mundo vários ditadores dignos de filmes Anos 80 caírem. Acompanhei a eleição do primeiro negro para presidente dos Estados Unidos do Mundo. Li quadrinhos sobre a Guerra Fria, assisti a Guerra do Golfo e tuitei sobrei a Primavera Árabe.
Todos estes eventos que acompanhei me mostraram o poder que emana do povo, o poder que ferra o povo e poder da falta de informação do povo.
Só não aceito oportunismo barato, seja do reclamante ou do reclamado.
E o que isso tudo tem a ver com o mundo nerd e quadrinhos? Tudo. Estes fatos todos já foram grafados na ficção. Mais alguma coisa? Sim. Protestem, mas deixem Guy Fawkes em paz!
Vocês já devem ter visto pelas ruas inúmeros manifestantes circulando com uma máscara específica, imortalizada na obra V de Vingança (V for Vendetta),que foi publicada originalmente entre 1982 e 1983 em preto e branco pela editora britânica Warrior, mas não chegou a ser finalizada. Em 1988, incentivados pela DC Comics, Allan Moore e David Lloyd retomaram a série e a concluíram com uma edição colorida, sensacional. A série completa foi republicada nos EUA pelo selo Vertigo da DC e no Reino Unido pela Titan Books. No Brasil, foi publicada em 1989 em cinco edições em cores pela editora Globo e mais tarde pela Via Lettera, em dois volumes em preto e branco; em 2006 teve uma edição especial pela Panini, em volume único, colorido e com material extra. esta eu tenho em minha estante, com destaque.
E do que se trata? A obra se passa numa espécie de passado alternativo, no melhor modelo 1984 (escrito por George Orwell em 1948, com um sistema de monitoramento feito por câmeras batizado de Big Brother), numa realidade em que um partido de cunho Totalitário ascende ao poder após uma guerra nuclear. A semelhança com o regime Fascista é inevitável devido ao fato do governo ter o controle sobre a mídia, a existência de uma polícia secreta, campos de concentração para minorias raciais e sexuais, muito perto do que pensou Hannah Arendt no seu livro “Origens do totalitarismo” de 1951.
A história em quadrinho foi escrita num momento histórico no qual a Inglaterra estava implementando o sistema Capitalista Neoliberal com a primeira ministra Margaret Thatcher. Ao mesmo tempo o “Socialismo Real” da extinta U.R.S.S. (atual Rússia), estava em total descrédito devido aos horrores do Stalinismo.
“V” (codinome do protagonista) tem uma postura Anarquista. E é aí que começa minha crítica aos que usam sua máscara em vão.
Nesta obra, como definiu tanto Enrico Malatesta no seu livro “Escritos revolucionários” e outros Anarquistas, como Mikhail Bakunin, Pierre Joseph Proudhon, Max Stirner, Emma Goldman, Piotr Kropotkin e Henry David Thoreau, o Estado é visto como limitador da Liberdade, sendo assim Totalitário.
Por acaso é este nosso cenário atual? Ou são só os R$0,20?
A história começa após o fim do conflito político, com os campos de concentração desativados e a população complacente com a situação, até que surge “V” — um Anarquista que veste uma máscara estilizada de Guy Fawkes e é possuidor de uma vasta gama de habilidades e recursos. Ele então inicia uma elaborada e teatral campanha para derrubar o Estado.
No processo, conhece Evey, garota que perdeu os pais durante a guerra. Evey é tratada por V como aprendiz, sempre sendo apresentada à resquícios de uma cultura perdida por causa da guerra e degradação da sociedade.
“V” é um anti-herói com todos os drives de terrorista instalados. Para ele, destruição de patrimônio público se justifica, pois na obra fictícia, o Parlamento Inglês é um dos maiores símbolos do Totalitarismo.
Em quem diabos foi Guy Fawkes? Nascido em Iorque em 13 de abril de 1570, faleceu em Londres, 31 de janeiro de 1606. Foi um soldado inglês católico que teve participação na “Conspiração da pólvora” (Gunpowder Plot) na qual se pretendia assassinar o rei protestante Jaime I da Inglaterra e todos os membros do parlamento durante uma sessão em 1605, objetivando o início de um levante católico. Guy Fawkes era o responsável por guardar os barris de pólvora que seriam utilizados para explodir o Parlamento do Reino Unido durante a sessão. Porém a conspiração foi desarmada e após o seu interrogatório e tortura, Guy Fawkes foi condenado a execução na forca por traição e tentativa de assassinato. Outros participantes da conspiração acabaram tendo o mesmo destino. Sua captura é celebrada até os dias atuais no dia 5 de novembro, na “Noite das Fogueiras” (Bonfire Night).
A máscara que vemos nos rostos de alguns militantes na TV e web é inspirada no rosto do próprio Guy Fawkes.
Se você, manifestante, usa este símbolo e realmente sabe sua origem, parabéns. E só.