E neste episódio continuamos a falar de relacionamentos complicados ao longa da história da humanidade, o caso de Menelau e a esposa perdida!
Já adiantamos que o principal culpado foi Menelau (ele viveu entre 1280-1150 a.C.).
Qual foi o dano, o resultado negativo de sua sequência de decisões, se não a destruição da cidade de Troia e o abandono das cidades gregas durante duas décadas.
A causa? Bem, a busca da esposa perdida pelo mundo então conhecido.
Nas palavras de Heródoto:
Até então, não houvera de uma parte e de outra mais do que raptos; depois do acontecido, porém, os Gregos, julgando-se ofendidos em sua honra, fizeram guerra à Ásia, antes que os asiáticos a declarassem à Europa. Ora, conquanto lícito não seja raptar mulheres, dizem os Persas, é loucura vingar-se de um rapto. Manda o bom senso não fazer caso disso, pois sem o próprio consentimento delas decerto não teriam as mulheres sido raptadas.
A história de Helena de Troia, primeiro relatada pelo poeta grego Homero, em Ilíada, e até hoje sujeita a interpretações fantasiosas — agora mais cinematográficas que poéticas —, já foi alvo de descrença generalizada durante muitos séculos. A versão de Homero está apinhada de deuses pegadores, disfarçados de animais, e de concursos de beleza duvidosos; pouco se questiona, porém, que bardos e historiadores gregos posteriores tenham descrito eventos que pelo menos ocorreram em parte, como sugerem evidências arqueológicas.
Homero escreveu a Ilíada cerca de cinco séculos depois dos eventos então narrados. Não admira que tenha recorrido às sensibilidades contemporâneas e que haja introduzido deuses na história para condimentar um pouco o enredo. Naqueles tempos, não se precisava de muito mais imaginação para aceitar Helena como filha de Zeus do que para, nos tempos atuais, admitir Brad Pitt como Aquiles.
Bom, a saga do rapto de Helena e a subsequente Guerra de Troia continuam sendo um dos melhores exemplos dos perigos da luxúria. No todo, a história sugere quão imprudente é para um hóspede na casa de um homem levar consigo, ao partir, a esposa do anfitrião. Acrescentamos a esse erro crasso a dupla idiotice da raiva e da inveja, agravadas quando o marido abandonado, Menelau, insistiu nos direitos de um velho tratado e arrastou todo o seu reino e os dos vizinhos em missão de vingança.
Muitos deles demoraram quase vinte anos na guerra e no retorno, para não falar na maioria que morreu, deixando os lares e as famílias no desamparo e na ruína — mal sobrevivendo, sugerem os registros, a assédios diversos e a desastres naturais.
Já se tentou explicar as causas da guerra — cuja duração, como em geral se acredita, teria sido de mais ou menos dez anos — com base em fatores econômicos e políticos. Troia efetivamente comandava o Dardanelos do alto (cuja importância veremos novamente nas páginas 116-19) e era uma cidade mercantil razoavelmente rica, ponto de entrada para o Mar Negro. Muitas são as evidências, contudo, de que os gregos nem mesmo sabiam onde Troia se situava — estavam apenas seguindo o rastro de Helena. E eles decerto não ganharam muito em manter o sítio durante dez anos e depois queimar o lugar até os alicerces.
Xerxes, Alexandre, o Grande e Júlio César teriam visitado o sítio de Troia para prestar homenagem aos grandes heróis e absorver parte da bravura deles. Talvez porque a guerra tenha sido combatida por motivos ideológicos, mais que por objetivos pragmáticos de conquista ou comércio, a bravura em si dos combatentes retumba ao longo dos séculos com intensidade que supera em muito a de conflitos menos nobres.
Não há dúvida de que o jovem nobre Páris raptou Helena, a bela esposa de Menelau. A mãe dele, Hécuba, rainha de Troia, sonhou que daria à luz uma tocha flamejante, ocorrência que foi interpretada pelo vidente Esaco como presságio de que o bebê destruiria a própria pátria. Depois do nascimento da criança, Hécuba sentiu-se incapaz de matar o bebê com as próprias mãos, o que levou o rei Príamo a pedir ao seu pastor-chefe, Agelau, que deixasse a criança no alto de uma montanha, onde morreria. Páris, contudo, foi alimentado por uma loba e sobreviveu. Agelau, ao encontrar a criança ainda viva nove dias depois, condoeu-se, arrependeu-se e criou Páris ele próprio.
Páris tornou-se o mais belo jovem da Antiguidade e reivindicou sua posição em Troia. De acordo com Homero, ele foi convocado para mediar uma disputa entre três deusas sobre quem era a mais bela, devendo oferecer uma maçã de ouro à que escolhesse. Cada uma das concorrentes lhe prometeu recompensas irresistíveis, mas ele escolheu Afrodite, Deusa do Amor, que lhe propusera a mulher mais bela da época, Helena. As perdedoras, por sua vez, foram consideradas culpadas em grande parte pelo desastre que se seguiu.
Mesmo que não se aceite a história da vingança das deusas, a parvoíce de Menelau, ao partir em busca da mulher através do Egeu, até terras desconhecidas pelos gregos, exige alguma explicação. Para começar, Menelau não era, sem dúvida, um homem especialmente inspirador. Conseguiu o reino apenas ao se casar com Helena, e teve dificuldade em lançar a frota grega na perseguição, para o que convenceu o irmão Agamenon, rei de Micenas e de todos os gregos, a sacrificar a própria filha, Ifigênia, a fim de apaziguar a ira da deusa Artemis. Vários reis simularam loucura ou passaram por mulheres para se evadirem das obrigações em relação à causa. E, embora os escribas não tenham poupado palavras para exaltar a coragem de Agamenon, a bravura de Aquiles, a formosura de Helena e as aventuras do peripatético Odisseu (Ulisses), Menelau, que simplesmente teria ficado “furioso” com o rapto de Helena, praticamente não inspirou palavras de enaltecimento.
O conto da guerra dispensa repetições. Menelau finalmente enfunou velas, com sua frota de mil navios e 100 mil homens. E sitiaram Troia durante dez anos, esforço em grande parte infrutífero. A Ilíada narra as batalhas, os duelos, os entreveros, as intervenções divinas, as traições e as bravuras daqueles longos anos.
Por fim, os gregos conceberam o infame Cavalo de Troia, retirando a frota e aparentemente deixando uma oferta para os deuses. Talvez também tenham envenenado a água, por que, na real, é difícil imaginar alguém cair no truque, mas os gregos no interior do cavalo decerto apressaram o fim da guerra, depois que os ingênuos troianos trouxeram o cavalo para dentro da cidadela, incendiando a cidade, encontrando Helena e navegando de volta para casa. Historiadores militares sugeriram em tom um tanto prosaico que, em outras guerras semelhantes, objetos em forma de cavalo eram usados como aríetes poderosos para derrubar portões renitentes, mas, como sempre, Homero desfia uma narrativa mais arrebatadora.
Troia foi destruída e muitos troianos morreram pela vanglória de Páris.
Menelau e Odisseu demoraram quase tantos anos na viagem de volta para a Grécia quanto os que combateram na guerra, algo muito bom para a literatura e para as artes em geral, na medida em que o ciúme de Menelau inspirou três grandes obras-primas literárias no padrão de epopeia — Ilíada, Odisseia e Eneida — além de ter sido musa de incontáveis pinturas, esculturas, romances e filmes.
Helena tinha muito a explicar. Ela, porém, foi levada de volta por Menelau, embora tivesse dado à luz quatro filhos em Troia, e não obstante houvesse casado com o irmão de Páris, depois da morte deste. Menelau foi impiedoso com o rival sobrevivente e, deveras, planejou matar Helena — mas, de volta à Grécia, os encantos dela de novo o subjugaram. Aparentemente, viveram felizes até a morte de Menelau, em idade avançada, ao que Megapente, filho ilegítimo de Menelau e uma escrava, assumiu o trono e exilou Helena.
Ela buscou refúgio em Rodes, com Polixo, que supunha ser sua amiga, mas que também era viúva de Tlepólemo, filho de Héracles, que morrera no primeiro dia de luta nas praias de Troia. Como vingança pela contribuição de Helena para a morte do marido, Polixo ordenou que as criadas se vestissem de Eríneas (ou Fúrias, entre os romanos) e enforcassem Helena numa árvore.
Apenas oitenta anos depois da guerra, conforme sugere a história, as terras da maioria dos gregos que nela lutaram foram devastadas por invasores dóricos.
Não pela última vez, parece que transpor os mares e conquistar terras
alheias, das quais pouco se sabe, por motivos também obscuros, não é muito bom para quem fica em casa.
Estudos arqueológicos sobre a localização de Troia identificam como época provável da guerra os séculos XIII ou XII a.C. É mais ou menos consensual que Troia se situava no território agora conhecido como Anatólia, ao sul de Istanbul, Turquia, em algum lugar perto da cidade de Hisarlik. Troia parece ter sido destruída por volta de 1180 a.C., depois de existir durante pelo menos cinco séculos.